No entanto , outros calendários houve ou há, ainda no planeta . Lembramos o do Maias , o dos Aztecas , o dos Chineses ou o dos Hindus ... E , de certeza , que outros ainda ficam por referir . Mas , entre esses não posso deixar focar o dos povos lusitano e celta . Ora ,desde os tempos mais remotos da Pré-Historia que, os povos que habitaram o nosso território, nos deixaram vestígios de como prestavam atenção aos movimentos da lua e do sol. Profundamente ligados à natureza , orientavam-se pelos ciclos lunares , mas tinham também plena consciência da importância do sol . E , desses tempos ,em que a cultura Megalítica dominou as nossas regiões ,chegam-nos monumentos que, nos fazem ficar boquiabertos pela maneira como , à hora certa dos solstícios , os raios solares incidem sobre eles .
Sabemos que entre os Celtas e provavelmente entre os Lusitanos , a 31 de outubro se iniciava o ciclo em que o sol estaria «mais enfraquecido ». Renasceria depois , no dia do solstício, próximo de 21 de dezembro para ,a pouco e pouco ir ascendendo , trazendo a esperança de dias mais longos e cheios de luz .Essa esperança de luz está simbolizada nas fogueiras acesas ,nas refeições cuidadas tomadas à volta de mesas enfeitadas , em família ,como se o clã ou mesmo o espírito da tribo continuasse entre nós. Os símbolos solares estão por toda a parte ,não só nas luzes mas também nos bolos que são , em geral circulares . A terra e o sol «sentam-se ,assim , à nossa mesa ». Através dos bolos e frutos secos , como nozes , castanhas e bolotas de azinho , estão simbolizadas as sementes que germinarão à medida que a terra for recebendo o calor solar. O Sol Menino renasceria pois , para alegria de todos . Com o critianismo , o sol passou a ser o Menino Jesus e , os lusitanos cristianizados , facilmente puderam manter as suas tradições . Estas , já haviam sofrido uma primeira adaptação com a vinda dos romanos que , nesse período , comemoravam as saturnais .
Assim , nos estudos que fiz não encontrei qualquer relevo dado à passagem do ano . Tudo, antes , girava à volta das comemorações do início da ascensão do sol , e da preparação para o novo tempo que começava a chegar . Por isso , talvez , porque na minha infância nunca assisti a grandes festejos na minha terra , pela mudança de ano , que ainda hoje ,essa data não é para mim um dia especial . Nos locais recônditos da Beira Interior Sul , hoje também há festas , luzes e foguetes ,mas a Beira Baixa da minha infância não me ensinou tal . Que me recorde ,talvez os «senhores » da terra bailassem na «Assembleia » e os da classe média no «Clube » . .. No entanto , pelos vistos na minha família não eramos muito dados a bailes ... e acreditem , não me fizeram falta.
Assim quero contar-vos como era a «Minha noite de Novo Ano »
Era dezembro , trinta e um ...
Á meia -noite o sino da torre bateria
A última badalada
que ,sem pejo nenhum ,
o ano velho levaria ...
Na minha casa o silêncio reinava ...
Eu , inda criança ,na cama aconchegada ,
quietinha ,por esse momento ansiava ...
A minha mãe costumava dizer :
-«É apenas o novo ano a nascer! ,
É só mais um !...
O que é preciso é termos saúde para viver ...»
Festas , nesse dia ?!...Não ! ...
Essas tinham sido
a vinte e cinco ...
e havia ,
depois , o dia seis ,
dia de reis..,
mais as janeiras
que se escutavam por todas as Beiras !
Mas eu adorava
ficar acordada,
para ouvir no silêncio da noite,
na torre da igreja ,
a última badalada .
Lá fora ... ,sabia ,
a noite estava fria ,
ou seria que até nevava ?!...
Nas ruas ,por vezes , andavam grupos de rapazes,
folgazões , , destemidos ,audazes ,
pois ao ano novo cantavam
as cançõesque ainda o Menino embalavam...
De repente , como cortando ao meu pensamento o fio ,
a primeira badalada surgiu !
Depois as outras , compassadas .
E , com a última ,
como se estivesse com ela sincronizada ,
um tiro de espingarda soava ...
Aí , a minha mãe elevava a voz e dizia :
«-Meninos escutaram ?
O ti Manel já o ano velho matou ,
o ano novo chegou !...
Alegria generalizada !
Um coro de bom ano pela casa ressoava.
Depois , a minha mãe , sempre preocupada ,
perguntava:
-«Estão quentinhos ?»
Um sim , gargalhado , a tranquilizava .
«- Então durmam...»
Mas , meu pai ,inda acrescentava :
- «Que deus vos abençoe , filhinhos!»
Eu ,feliz , ...sorria .
A ternura da noite minh'alma acalentava ...
Adormecia ,
Ingenuamente ,crendo que sempre assim seria ,
sonhava....
Quina Salgueiro , (escrito em Lisboa a 4/1/2011 )