Nos dias 1 e 2 de Novembro , como todos sabemos , celebra , a Igreja Católica , os dias de Todos os Santos e o de Finados . Nos países anglo -saxónicos e , devido à influência celta , comemora-se de 31/10 para 1 /11 a Noite das Bruxas . Esta vem entrando , pé -ante -pé , no hábito de alguns portugueses . Sinceramente , a "festa das bruxas " ( não quero , propositadamente , usar o termo inglês!!) nada me diz . Talvez , porque fui criada no meio de outras tradições , mais de raíz lusitana ( embora alguns digam que celtizadas...? !) a referida festa não desperta a minha atenção . Agora , se me falarem de "pão por Dês (Deus ) "de "santoro ou de rosca" , as coisas começam a mudar de figura !!! De facto , essas são as tradições em que me revejo
Desde os tempos mais remotos que aqueles que habitaram esta região da Beira Interior Sul , nos deixaram não só tradições transmitidas oralmente , mas mesmo monumentos que delas nos falam . Esses monumentos são os que todos conhecemos por "Cultura Megalítica Portuguesa " e a que se lhe seguiu ,isto é ,a Cultura Castreja . Os Menires , as Antas ou Dolméns são provas bem visíveis de que os nossos antepassados , desde os tempos mais pretéritos , já prestavam culto aos seus mortos . É exactamente um dolmén , que podemos encontrar no espaço onde se realiza a Feira Raiana , que aqui mostro . À sua frente , existem escavadas nas rochas "pias " umas com forma antropomórfica (talvez sepulturas ), outras rectangulares .Tal , faz-nos lembrar que os povos que vieram habitar esta região , continuaram naquele local a praticar culto em louvor de deuses e de mortos , fazendo sacrifícios de animais em sua honra . Esta era uma das tradições dos Lusitanos . Também na margem direita do rio Ponsul e perto da barragem de Idanha-a-Nova encontramos várias sepulturas escavadas , outras feitas com xisto , alinhadas em círculo , juntamente com menires ou menhires . Sabemos que os Lusitanos praticavam os seus cultos perto de cursos de água , em clareiras , sendo os seus altares , muitas vezes ,no cimo dos "barrocos " que proliferam pela região . Os mortos eram cremados em piras , como os historiadores da época nos relatam quando nos falam , por exemplo , das cerimónias em honra de Viriato. Diz-nos Diodoro da Sícilia e Estrabão que os guerreiros entoaram cânticos glorificantes em louvor do seu chefe ; realizaram combates homem a homem , tendo alguns morrido ; as armas e o seu cavalo foram igualmente incinerados com ele . Há pois aqui um culto que se traduz no louvor e no pranto , na glorificação da vida e da morte , juntas no adeus ao chefe . De facto , até há alguns anos , este louvar misturado de prantos , estava ainda , entre outros aspectos , nos hábitos dos idanhenses .
Natural é , que mesmo após a romanização , os lusitanos continuassem a praticar os seus cultos aos mortos e aos deuses . Entre estes ,estavam o Sol e e a Mãe Natureza . Ora , no fim daquele mês a que nós chamamos Outubro , a Mãe natureza entra num período que a conduz à maior noite do ano , ou seja ao solstício de Inverno . É este um período de reclusão , de ficar em casa junto à lareira , de preparar o tempo que há-de vir em que tudo renascerá .O Sol precisará de "força "pois esta vai-se perdendo até ao solstício de Inverno .Portanto , as festas que os anglo -saxões chamam de "Noite das bruxas " e que se prolongam , no nosso caso até dia 2 de Novembro , são festas de tristeza ,de morte .... A Natureza desfalece ...Regressa ao ventre da "Mãe "!!!O homem tem de guardar alimentos para esse período , mas também estes têm de proporcionar o renascer quando o sol começar a subir e a brilhar , subindo no horizonte . Por isso , em Idanha-a-Nova os padrinhos ,que têm por obrigação substituir os pais se "estes passarem para o lado de lá !",devem dar aos afilhados no início deste ciclo o "santoro ".Este é o nome dado à oferta composta por um bolo em forma de ferradura (não esquecer que a ferradura afasta o mal ...) a que se chama rosca e maçãs bravo esmofe , laranjas , marmelos , romãs, passas de figo , amêndoas , nozes , castanhas e "boletra "de "azinho"; em caso de padrinhos mais abastados , pode também incluir-se umas moedinhas ....Havia na minha infância, o costume ,ainda vivo e, que agora já não se vê , (não seria bom fazê-lo renascer ?!) , de as crianças andarem de porta em porta , pedindo frutas e frutos secos . Diziam ,então : "Pã por Dês"...Poderiam , mesmo fazer algumas traquinices , proferir algumas ameaças , à porta da casa onde nada lhes davam para guardarem nas bolsas de pano ou no sarrão que levavam ao ombro .Mas , se dessem algo , os moradores ouviriam os pedidos de bons auspícios e as rezas proferidas em sua honra e da sua família .
No entanto , no dia seguinte ,era e é ,o dia de recordar todos aqueles que partiram . O Cristianismo , instituiu-o ...seguindo a tradição luso -celta de que nessa noite se abria passagem entre os 2 mundos podendo os mortos entrar em contacto com os vivos . Hoje é um dia de mágoa ...de saudade . Mas , os "Cerimoniais da Morte " em Idanha-a-Nova , eram até há 50 anos algo que nos fazia recuar nos tempos e, se não havia piras crematórias , deparavámo-nos com um conjunto de regras e actos que nos faziam lembrar as nossas raízes ,continuando mesmo algumas delas a ser respeitadas pelos mais idosos . No entanto , hoje não quero falar-vos deles . São demasiado pesados , carregados de tais minúcias inesperadas que iriam quebrar a magia das crianças invadindo o "almiére " de cada casa ,afim de que com as dádivas recolhidas amenizarem as noites longas de inverno . Então , ouviram contar à luz do" lume e das candeias de azête ", estórias de bruxas e "lambesomens "que nessa "noute"andariam à solta pelas "sarranias onde os sês intigos e desabós lusitanos haviam lutédo" pela liberdade desta terra .Ouviram "atã estórias que só munto mai tarde intenderam ...Escuitaram outras de almas penadas que saindo do meio do navôero atacavam os que quegeram fazer mali ós sês desabós" ...Deixemo-las , hoje , recordar todo o mistério em que cresceram envoltas por serem filhas da serra , filhas de mães lusitanas que tanto sabiam pegar na "falcata" e lutar ao lado dos seus homens , como curar as suas "malêtas terendo-lhes o acedente". É bom recordéri esse tempos ; sintir-se um lusitano ao comer a boletra assada no lari e o pã fêto com ela , tal como ao bueri hidromeli ; julguér-si criança de saco ó ombro e dezeri : o que éi qu' o dia das bruxas tem de melhori ö a mai que o nosso "Pã por Dês "?!Brumas , bruxas , adevinhos , benzelheuns? ... Ó.., dexem-me sonhari ...Prometo falar-vos mais tarde...do "Cerimonial da Morte nas terras de Idanha -a-Nova ." Hoji quero tã só ser pecanina e pedir-vos:
Pã Por Dês Veginha , Pã Por Dês , veginho .... !!!!"
PS ..Deixem que vos diga algo mais . No dia de Todos os Santos ,manda a tradição e tal ainda hoje sucede , que restaurantes , cafés e outros estabelecimentos afins tenham no balcão passas de figo e outros frutos secos para que ,quem o quiser , se sirva gratuitamente . Alguns oferecem mesmo "jurpiga " ...O mesmo volta a suceder dia de S. Martinho .
Quanto às bebidas vindas do "fundo dos tempos " está para além do "hidromeli " , a sidra e um tipo de cerveja ( que também temos o hábito de dizer que veio dos árabes....Será que veio ou é mais um mito a derrubar ?) . Minha mãe e avó materna sabiam fazê-las . Quanto a mim , um dia destes vou experimentar fazer o hidromel e a sidra ....
Se perguntarem ,como eu já o fiz muitas vezes o porquê de certas tradições a resposta é :"já as cá incontremos ,veim dos nossos intigos..."Quando a resposta é esta , já sei ,não vale a pena mais questionar ,...elas vêm mesmo do mais profundos dos tempos , fazem parte de nós mesmos...
Nota : Se acaso não entenderem O dialecto idanhense , é só perguntarem...
Quanto ao mais , não esqueçam , sintam-se em vossa casa !!!
Quanto a mim ,agradeço reconhecida a vossa visita
BEM HAJAM