sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

DIZEM QUE É O Ú LTIMO REDUTO DA VELHA LUSITÂNIA....

  Será que é mesmo ? Creio que sim . Se a interioridade nos legou algo de bom ,foi a preservação das nossas tradições. Por isso , nada disse sobre o dia dos namorados que se «instalou » entre nós há uns anos , depois de ter sido importado da Inglaterra e dos E.U. A. Na  1ª surgiu no século XVII e no 2º país no século XVIII. Diz-se ter na origem o dia em que Valentim ,bispo de Roma , que foi executado por ter desobedecido ao imperador Claudio II. Este havia-o proibido de casar os jovens em idade de servirem no exército romano , ordem que Valentim não cumpriu . Em Portugal , Santo António sempre foi o santo casamenteiro , tradição que levámos para o Brasil que soube resistir até hoje  à influência anglo-saxónica .   Sendo assim ,  esta não é uma tradição portuguesa e , muito menos idanhense .
 Como tal ,dei por mim a recordar os namorados , ou antes os noivos da minha terra ( nunca se usava a palavra namorado ,até há pouco tempo ... !) , em tempos idos. Lembrei que , mesmo o Santo António não tinha , na minha terra , o dom  da protecção dos namorados . Estas coisas sempre foram mais do domínio de São João ou antes São Joãozinho . Sim , ainda hoje é «ele » que se dá bem com a «malta nova » !!! Por isso , só jovens solteiros podem ser seus festeiros e , na época de Natal , o seu madeiro é da responsabilidade dos jovens . Aliás , é interessante ver como esse madeiro todos os anos agrega à sua volta a juventude ,não só  a residente , como a que vai  passar as festas em Idanha -a-Nova .
    A tradição fala-nos ,em Idanha-a-Nova , de mouras encantadas que apareciam na noite de São João e enfeitiçavam os jovens . Diz-se que elas tinham tesouros e nessa noite mostravam-nos para seduzirem os rapazes . Lançavam fios de ouro sobre as pedras existentes perto dos rios ( por isso os rapazes se afastavam do rio Ponsul , na Srª da Graça ...) ou das fontes onde habitavam . Outros dizem que era nessa noite que o  feitiço que as prendia , podia ser quebrado ,mas cada  uma destas situações passava-se ao nascer do sol . Portanto ,os rapazes deviam afastar-se desses locais antes dele nascer , senão seriam levados pelas «moiras »  . Por outro lado ,  fogueiras,  com muitos rosmaninhos ( ou rosmanos , como se diz na terra ) , eram acesas nessa noite em vários pontos da vila e ao saltá-las , os jovens de ambos os sexos  , faziam os seus pedidos .   A ele ,São João ,  se dirigiam esses  pedidos , se perguntava com quem se ia casar ,qual  profissão do noivo .... A ele se cantavam quadras pouco próprias de um Santo , como :
                                           S. João p´ra ver as moças,
                                           Fez uma fonte de de prata ,
                                           As moças nã vão a ela ,
                                           S. João todo se mata .
                         E então o refrão ...Ai repenica , repenica , repenica  ,
                                                         ai S. Jão a «sueri» em bica !!!
                                                         Ai repoupoula , repoupoula ,repoupoula,
                                                         ai S. João a «sueri »em «saroula »!!
 Creio que o Santo devia desculpar ....
Mas , também se usavam truques adivinhatórios . Lembro-me que todos eles tinham de ser feitos à meia  -noite e ao luar ; o resultado tinha de ser visto antes do sol nascer . Se não fosse assim a resposta não era fiável . Um desses truques era : num copo de água límpida e transparente deitava-se ,ao bater da meia - noite um ovo . Punha-se ao luar e , claro , antes do nascer do sol , ia-se ver em  que figura  se tinha transformado o ovo . Essa figura dar-nos-ia a profissão do futuro noivo ....
   Como devem ter reparado , temos aqui duas atitudes diferentes : no caso das mouras encantadas ,fala-se do sol ,enquanto nas práticas adivinhatórias e nas festas com fogueiras é a lua que está presente . O professor Leite de Vasconcelos diz estarmos face a um culto pré-romano em que divindades locais  ,como espíritos da natureza , são esses seres que são chamados de «mouras » . Mas a palavra «moira » aqui significa «destino» e seria grega  ; no basco , surge  «mairu » , que era o nome dado aos gigantes que , segundo a mitologia basca , terão construído as antas , os dólmens e os cromeleques ; no celta , «mori » significava sereia ou mar . E em Lusitano ,como lhe chamariam ? Talvez o saibamos um dia destes ,uma vez que as primeiras inscrições em língua lusitana já começaram a ser decifradas ...
 Sendo assim  , se por um lado parece estamos face a um culto solar , por outro , muitos aspectos  apontam  para um culto lunar e feminino . É mesmo este último que parece mais arreigado nas tradições idanhenses  ,não só pelos ritos que referi mas também pelo papel que as mulheres da minha terra sempre desempenharam  nas nossas  famílias . Claro que a cristianização , deu-nos um santo ,mas creio que este ,sim ,este tem na sua origem o solstício de verão e como tal o culto ao sol . Direi ,pois que de acordo com as origens lusitanas , o culto seria feminino e como tal lunar , após a romanização surgiu a parte solar .
 O que me leva a insistir na origem lusitana ? Segundo historiadores romanos --Tito Lívio , Diodoro ou o geógrafo Estrabão  os lusitanos consideravam alguns cursos  águas  e fontes sagradas atribuindo-lhe dons e prestando-lhe culto  ..Quanto à mulher  , ela era a gestora da vida familiar e da educação dos filhos . Desempenhava várias tarefas como tecer , tingir os tecidos ou , até mesmo,  participar na guerra . Quando não ia combater acompanhava os homens com cânticos guerreiros e exaltantes dos seus heróis. A família era monogâmica e era  a mulher que escolhia o marido . Tal se passou com a mulher de Viriato que , contra a vontade do pai ,disse tê-lo escolhido e que com ele se casaria . A mulher lusitana vestia trajos coloridos e enfeitava-se com colares , braceletes e arrecadas  , estas para impedir a entrada dos maus espíritos .
  Ora vejamos o que se passava em Idanha-a-Nova , pelo menos até há poucos anos : as mulheres tratavam de todos os assuntos referentes à gestão doméstica e aos filhos ; o homem entregava nas mãos da mulher o seu salário , a «féria » , recebendo depois das mãos dela algum dinheiro para as suas despesas  ;e as  mulheres mais velhas sempre gostaram de exibir o seu ouro ,com destaque para as suas arrecadas . No entanto ,esse ouro era visto como um bem a que se podia recorrer em caso de necessidade... mas que a mulher levava para o casamento . Creio que aqui está a mulher lusitana...
  E quanto ao namoro que afinal está na origem desta minha conversa de hoje , como era ele  em Idanha-a-Nova nos tempos de antigamente ? 
 Compunha-se de 3 fases : o falar-se da janela ( e quando a janela era alta era muito complicado ... Lembro-me de ouvir dizer que o pretendente estava a «tomar gargarejos !!!» Claro que era na brincadeira ... ) ; seguia-se o falar-se à porta (sempre com a mãe por perto !!!) ; e por fim , o entrar em casa . A mãe estava sempre presente ,cumprindo assim o seu papel de figura tutelar do lar zelando por tudo o que respeitava à sua gestão e bom nome . Qualquer uma destas fases , decorria em horas marcadas e com tempo não muito longo . O noivo , como era chamado desde o início , fazia chegar ao pai da noiva as suas boas intenções através da mãe . Só quando se atingisse a 3ª fase lhe seria permitido ser ouvido pelo que seria o futuro sogro.
 Quando  ,como normalmente sucedia , se chegava ao casamento , depois da saída dos « pregões », preparava-se com as «cantchanêras » a boda que durava 3 dias , depois de os noivos ,acompanhados pela mãe terem ido « prezar»!!!A noiva ,nomeio de um quadrado formado por familiares e amigos , de lenço de seda branco , exibia o seu ouro  , percorrendo as ruas principais da vila a caminho da igreja . As papas de carolo , o arroz doce e os pã-leves deliciariam todos ...À noite , ao som da concertina ,cantava-se junto à casa dos noivos os «parabéns » que já se tinham dançado à  tarde .... Os noivos tinham de vir à porta dar comes e bebes aos cantores....Só mais um pormenor : na véspera do casamento ia-se a casa dos noivos «ver a cama »; debaixo desta estava um bacio (penico) ,onde se punham umas moedas ....
            Mas , isso fica para outro dia ...
            Sejam felizes .... 


  « Parabéns te venho dar,
     Amiga do coração , 
     Espero que vás gozar ,
     duma feliz união .» 
                           Assim se cantava
            
        Quina Salgueiro      

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

TRADIÇÕES QUE VÊM DO MAIS PROFUNDO DOS TEMPOS

 Isso é a minha terra   ,Idanha-a- Nova , uma terra carregada de tradições !!!!
   Na verdade , no dia a dia de nossas vidas , estamos constantemente a deparar-nos com situações , que por nos serem tão habituais ,nem lhe prestamos atenção ! Mas, quando o fazemos paramos e perguntamos :  donde vem tudo isto ? Porque faço isto ou aquilo ? E , é aí que começamos a investigar e a interrogar os mais velhos que ainda estão connosco . Então , a partir das suas estórias ,eis que nos surge o caminho para irmos mais além .
 Queria , pois hoje recordar duas ou três  dessas tradições . O sociólogo e historiador Mircea Eliade , na sua « História das Ideias Religiosas » , diz-nos : «Por ocasião do Ano Novo , os deuses fixam o destino dos 12 meses subsequentes . Trata-se , sem dúvida , duma ideia antiga que encontramos no Próximo Oriente ; mas a sua 1ª expressão, rigorosamente articulada , é na  Suméria ».Ora em Idanha -a- Nova diz-se que os  1ºs dias do mês de Janeiro  «,pintam os meses» de todo o ano . O 1º dia ,diz o povo , tira-o para ele  enquanto os seguintes nos dirão como vai ser o resto do nosso ano . Sei que também em Trás -os -Montes se diz algo de semelhante ,mas quem nos diria a nós que dos Sumérios viria tal principio? De facto razão tem o sociólogo brasileiro Gilberto Gil ,quando diz que somos «um cadinho de culturas »..Mas os idanhenses, ou egitanienses
continuam  : a 20 de Janeiro ,o dia já tem uma hora por inteiro e quem bem contar  , hora e meia lhe há-de achar !! Aqui prevê-se não só o crescer dos dias mas , também a hora e meia a mais de sol que esses dias passarão a ter .Lusitanos e Celtas tinham já esta noção do crescimento dos dias e transmitiram-nos essa sabedoria . Mas , hoje é dia 2 de Fevereiro , aquele em que se comemora a Srª das Candeias . De onde vem esta festividade , que significa ? Lusitanos , Celtas  festejavam nesta altura a  Luz ; os dias maiores falavam do caminhar para dias cheios de luz com a qual a Mãe Natureza renascia ...Para os Romanos esta  era a altura em que se festejava a loba que havia amamentado os fundadores de Roma , Rómulo e Remo..Chamavam-lhe as «Lupercálias ». O Cristianismo chamou as festividades a si e deu -lhe o nome de festa da Srª das Candeias. Nesta época as trevas do inverno ainda dominam e a luz do sol ainda é fraca . Por isso , na minha terra , Idanha -a- Nova , antigamente fazia-se a procissão da luz  , onde  só mulheres participavam ; levavam candeias acesas ,para ajudarem o sol a ter mais força e entoavam cânticos e rezas . A tradição perdeu-se , apesar de se manter o ritual litúrgico .Mas , ficou-nos ainda o carácter adivinhatório desse dia  e por isso se diz : «Se a Candelária chora ( ou seja ,se chove  ) já o inverno vai fora , se ela ri , ainda está para vir »...E para terminar , deixo-vos mais uma influência Lusitana e Celta , já cristianizados , que passo a citar : « no dia da Candelária o urso sai da toca , olha a Lua ...,se ela estiver cheia o fim do inverno e o Carnaval  só chegam daí por 40 dias ,se for Lua Nova  ,esta , será a última da estação.
.Reparemos que é este o conceito que preside à  marcação da celebração da Páscoa ou seja ,  estamos face aum calendário de influência lunar.

   POR  ISSO , RECORDANDO  AQUILO QUE MINHA  AVÓ  MATERNA   ME  ENSINOU  recordo :
                                                         Se candeias acendeste
                                                          ou quiseste acender ,
                                                          a boa porta bateste ,
                                                          eu já te vou atender.
                                                         
                                                         Candeias pois , nós já vamos
                                                          acender por essas ruas ,
                                                          e orações nós cantamos ,
                                                          umas minhas , outras tuas .


                                                         Se a Candelária chora ,
                                                         o bom tempo já lá vem ,
                                                          mas se ela ri , ele demora ,
                                                          frio e chuva a gente tem.

                                                         Rezemos então irmãs ,
                                                         à volta desta capela ,
                                                         pedindo que venha sol ,
                                                         p'ra Terra ficar mais bela.

                                                        Mas se a chuva ainda for 
                                                        mui necessária por cá ,
                                                        qu'a Senhora das Candeias ,
                                                        nos dê a que cá não há .


                                                       E de candeias acesas ,
                                                       minhas irmãs , eu e vós ,
                                                       para o mundo de certeza , 
                                                       muita Luz pedimos nós .
                                                                   de   Quina Salgueiro , recordando....
                                                                                      e escrevendo em Lisboa 
                                                                                                1/2/2011


                                                          
                                       ,
           

 

    . 
       
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