segunda-feira, 29 de outubro de 2012

O CERIMONIAL DA MORTE EM IDANHA-A-NOVA

Sei que há uns tempos vos prometi falar sobre os rituais da morte em Idanha-a-Nova .Também eles como tantos outros aspectos que a interioridade conseguiu , tendo aí  um lado positivo , conservar se mantiveram intactos até  acerca de 50 anos atrás .Não que desaparecessem totalmente ,mas porque alguns condicionalismos da vida actual  levaram a alterações .Ora , estamos  nós na época em que o culto dos mortos , de que muitos dos vários povos  que por aqui passaram  foram deixando  as suas marcas ,é recordado por um dia  .Através de romagens às campas dos nossos entes queridos , ou de festas que nada têm a ver connosco ,mas que a cultura anglo-saxónica vai introduzindo (falo da noite das bruxas !!)  .Celebravam nesta altura esses povos (principalmente  celtas )o fim do tempo bom e o regresso ao interior das casas e de si mesmos ,que o frio e o inverno personificava . A convivência  com a morte era normal .
  Por isso este será o tempo exacto para vos falar dos rituais das terras egitanienses.
Nunca esquecerei aquele dia de Verão em que a minha avó materna faleceu .O dia estava muito quente (estávamos no final de Julho!! ) : A figura de minha mãe ficou marcada em mim para sempre tal como o interior de nossa casa .A minha mãe estava toda vestida de preto , mas a sua saia era comprida e tinha posto um xaile pela cabeça que por sua vez já estava coberta com um lenço  . A sala principal estava irreconhecível .Tinha sido transformada para que o corpo de minha avó fosse aí velado . Então todos os quadros tinham sido virados para a parede ; um espelho que havia à sua entrada estava coberto com um pano preto.Na sala só ficara um móvel que havia sido transformado em altar .Sobre ele uma toalha branca de grande renda ,  2 candeeiros de cobre com torcidas de algodão e azeite e no meio um crucifixo .
 Mais tarde vim a saber que havia vários rituais e a que nesse dia eu tinha sido poupada . A pessoa que morria era lavada ,vestida com a mortalha ,isto é roupa escolhida pela própria . Escolhera também os lençóis e a colcha de seda com que revestiriam o caixão .A mortalha era guardada e apenas uma ou duas pesoas sabiam onde se encontrava .Depois de colocado no caixão o corpo era velado  em casa  ; aos seus pés era colocada uma caldeirinha de cobre com um ramo de oliveira e água -benta .Daí que aqueles que queriam prestar a última homenagem o fizessem espargindo água benta com o ramo sobre o corpo , faziam-no e fazem tanto à chegada como à partida . .Por isso se dizia e diz que se ia "deitar água benta ". Muitas senhoras ficavam (e ficam !) toda a noite com os familiares velando o defunto .Rezava-se , mas ...vejam bem ..., entre gritos louvava -se a pessoa que partia enaltecendo as suas qualidades ,mesmo quando não as tinha . No entanto , merecia respeito naquela hora  e era quanto bastava  .Mas quem ficava (e fica ) toda a noite precisa de se alimentar . Assim no compartimento ao lado a mesa estava posta toda a noite para que os acompanhantes da família se pudessem alimentar .Tudo era posto na mesa com o maior cuidado pois , tudo era por alma de ...A posição das mãos do morto não eram ao acaso ;se mulher solteira ,essas ficavam "postas " (como em oração  sobre o peito , se casada a mão direita ficava sobre o peito e o braço esquerdo ao longo do corpo  , se viúva as mãos eram também colocadas sobre o peito mas sobrepostas .No dia seguinte e depois do caminho a pé até ao cemitério chegava o momento da despedida .Aí tínhamos um outro momento marcante : O PRANTO . Este era um momento de muito choro e gritos em que o familiar mais próximo falava ,gritava  melhor , não só a sua dor como falava das qualidades , das benfeitorias , dos momentos bons da vida de quem tinha partido .O Pranto devia ser longo , enaltecedor pois seria motivo de conversa por toda a terra nos próximos dias .As pessoas diriam : que lindo pranto !!!ouviram como ela  disseram que era , desta ou daquela maneira ...nada escapava aos ouvidos dos mais críticos .Havia mesmo mulheres especializadas em fazer belos prantos mas , para isso devia ser compensadas .Todavia , não estava tudo terminado .. Deixado o cemitério seguia-se a refeição na casa da família do defunto .Os mais pobres muitas vezes pouco tinham para oferecer mas faziam-no "por alma de..." Quanto aos mais abastados ofereciam uma boa refeição e distribuiam dinheiro pelos pobres que acorriam a sua porta rezando  "Por  Alma de ... " . O luto tinha também a sua duração .Pelo marido a mulher andava  o resto da vida de luto .As viúvas ,no 1º ano nem as meias podiam tirar por muito calor que estivesse ; mangas curtas ou decotes ,nem pensar ; ela deveria sr recatada e respeitar o defunto .Pelos pais eram 2 anos de luto , começando  " depois de um ano a aliviar ",podendo tirar as meias .Ao ano e meio passava só  usar ,no caso da mulher , blusa preta .Pelos avós ,6 meses ,sendo os 3 últimos só de blusa . Se bem virem tanto no luto como no pranto era a mulher que desempenhava o papel principal .Aos homens bastava o chamado "fumo preto no casaco e a fita preta (ainda hoje habitual em todo o País ) no braço .
 Nestes rituais eu quero destacar o seguinte : o trajo das mulheres , os seus choros que deviam ser gritados e o pranto .Mergulham as suas raízes no Médio Oriente e recordam-nos as CARPIDEIRAS que existiam no Egipto e na Grécia ; as refeições lembram-nos  os rituais romanos .Quanto ao virar os quadros e tapar os espelhos ,também encontramos as suas raízes no Médio Oriente : julgava-se que os espíritos dos antepassados que vinham acompanhar o defunto podiam ficar presos neste plano se a sua imagem fosse projectada nos espelhos ou nos quadros .O azeite dos candeeiros e o ramo de oliveira simbolizavam a paz e a luz que deveria acompanhara alma para passar o rio ou o caminho escuro que separa este mundo do outro . O lavar do corpo é um hábito que terá sido introduzido por egípcios (quando   soldados romanos ) e judeus que já estavam no nosso território no séc.III antes de Cristo . O "fumo preto e a fita preta no braço foi "herança " judaica .
     Claro que de tudo isto resta :o velório de toda a noite acompanhado com alimentos na sacristia  ( porque agora é numa das capelas da Misericórdia , de S.João ou do Espírito Santo ) e o deitar da água benta .
 Mas , mesmo assim acho que continua a ser diferente das grandes cidades....
        Desculpem o tema carregado de tristeza ....O momento . pelos vistos também não é de grande alegria..


Nota : recomendo a leitura do 1º comentário da minha amiga aluap (Paula ) que se lembrou de 2 coisas que esqueci : os sinais , a que eu acrescento "o toque a anjos "(quando uma criança morre ) e que ainda hoje existem nas terras idanhenses .E a presença dos estandartes das Confrarias  nos funerais ,caso o finado tivesse sido seu "irmão " ou confrade.
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          GRATA PELA VOSSA VISTA ____BEM HAJAM
     
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