sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

DIZEM QUE É O Ú LTIMO REDUTO DA VELHA LUSITÂNIA....

  Será que é mesmo ? Creio que sim . Se a interioridade nos legou algo de bom ,foi a preservação das nossas tradições. Por isso , nada disse sobre o dia dos namorados que se «instalou » entre nós há uns anos , depois de ter sido importado da Inglaterra e dos E.U. A. Na  1ª surgiu no século XVII e no 2º país no século XVIII. Diz-se ter na origem o dia em que Valentim ,bispo de Roma , que foi executado por ter desobedecido ao imperador Claudio II. Este havia-o proibido de casar os jovens em idade de servirem no exército romano , ordem que Valentim não cumpriu . Em Portugal , Santo António sempre foi o santo casamenteiro , tradição que levámos para o Brasil que soube resistir até hoje  à influência anglo-saxónica .   Sendo assim ,  esta não é uma tradição portuguesa e , muito menos idanhense .
 Como tal ,dei por mim a recordar os namorados , ou antes os noivos da minha terra ( nunca se usava a palavra namorado ,até há pouco tempo ... !) , em tempos idos. Lembrei que , mesmo o Santo António não tinha , na minha terra , o dom  da protecção dos namorados . Estas coisas sempre foram mais do domínio de São João ou antes São Joãozinho . Sim , ainda hoje é «ele » que se dá bem com a «malta nova » !!! Por isso , só jovens solteiros podem ser seus festeiros e , na época de Natal , o seu madeiro é da responsabilidade dos jovens . Aliás , é interessante ver como esse madeiro todos os anos agrega à sua volta a juventude ,não só  a residente , como a que vai  passar as festas em Idanha -a-Nova .
    A tradição fala-nos ,em Idanha-a-Nova , de mouras encantadas que apareciam na noite de São João e enfeitiçavam os jovens . Diz-se que elas tinham tesouros e nessa noite mostravam-nos para seduzirem os rapazes . Lançavam fios de ouro sobre as pedras existentes perto dos rios ( por isso os rapazes se afastavam do rio Ponsul , na Srª da Graça ...) ou das fontes onde habitavam . Outros dizem que era nessa noite que o  feitiço que as prendia , podia ser quebrado ,mas cada  uma destas situações passava-se ao nascer do sol . Portanto ,os rapazes deviam afastar-se desses locais antes dele nascer , senão seriam levados pelas «moiras »  . Por outro lado ,  fogueiras,  com muitos rosmaninhos ( ou rosmanos , como se diz na terra ) , eram acesas nessa noite em vários pontos da vila e ao saltá-las , os jovens de ambos os sexos  , faziam os seus pedidos .   A ele ,São João ,  se dirigiam esses  pedidos , se perguntava com quem se ia casar ,qual  profissão do noivo .... A ele se cantavam quadras pouco próprias de um Santo , como :
                                           S. João p´ra ver as moças,
                                           Fez uma fonte de de prata ,
                                           As moças nã vão a ela ,
                                           S. João todo se mata .
                         E então o refrão ...Ai repenica , repenica , repenica  ,
                                                         ai S. Jão a «sueri» em bica !!!
                                                         Ai repoupoula , repoupoula ,repoupoula,
                                                         ai S. João a «sueri »em «saroula »!!
 Creio que o Santo devia desculpar ....
Mas , também se usavam truques adivinhatórios . Lembro-me que todos eles tinham de ser feitos à meia  -noite e ao luar ; o resultado tinha de ser visto antes do sol nascer . Se não fosse assim a resposta não era fiável . Um desses truques era : num copo de água límpida e transparente deitava-se ,ao bater da meia - noite um ovo . Punha-se ao luar e , claro , antes do nascer do sol , ia-se ver em  que figura  se tinha transformado o ovo . Essa figura dar-nos-ia a profissão do futuro noivo ....
   Como devem ter reparado , temos aqui duas atitudes diferentes : no caso das mouras encantadas ,fala-se do sol ,enquanto nas práticas adivinhatórias e nas festas com fogueiras é a lua que está presente . O professor Leite de Vasconcelos diz estarmos face a um culto pré-romano em que divindades locais  ,como espíritos da natureza , são esses seres que são chamados de «mouras » . Mas a palavra «moira » aqui significa «destino» e seria grega  ; no basco , surge  «mairu » , que era o nome dado aos gigantes que , segundo a mitologia basca , terão construído as antas , os dólmens e os cromeleques ; no celta , «mori » significava sereia ou mar . E em Lusitano ,como lhe chamariam ? Talvez o saibamos um dia destes ,uma vez que as primeiras inscrições em língua lusitana já começaram a ser decifradas ...
 Sendo assim  , se por um lado parece estamos face a um culto solar , por outro , muitos aspectos  apontam  para um culto lunar e feminino . É mesmo este último que parece mais arreigado nas tradições idanhenses  ,não só pelos ritos que referi mas também pelo papel que as mulheres da minha terra sempre desempenharam  nas nossas  famílias . Claro que a cristianização , deu-nos um santo ,mas creio que este ,sim ,este tem na sua origem o solstício de verão e como tal o culto ao sol . Direi ,pois que de acordo com as origens lusitanas , o culto seria feminino e como tal lunar , após a romanização surgiu a parte solar .
 O que me leva a insistir na origem lusitana ? Segundo historiadores romanos --Tito Lívio , Diodoro ou o geógrafo Estrabão  os lusitanos consideravam alguns cursos  águas  e fontes sagradas atribuindo-lhe dons e prestando-lhe culto  ..Quanto à mulher  , ela era a gestora da vida familiar e da educação dos filhos . Desempenhava várias tarefas como tecer , tingir os tecidos ou , até mesmo,  participar na guerra . Quando não ia combater acompanhava os homens com cânticos guerreiros e exaltantes dos seus heróis. A família era monogâmica e era  a mulher que escolhia o marido . Tal se passou com a mulher de Viriato que , contra a vontade do pai ,disse tê-lo escolhido e que com ele se casaria . A mulher lusitana vestia trajos coloridos e enfeitava-se com colares , braceletes e arrecadas  , estas para impedir a entrada dos maus espíritos .
  Ora vejamos o que se passava em Idanha-a-Nova , pelo menos até há poucos anos : as mulheres tratavam de todos os assuntos referentes à gestão doméstica e aos filhos ; o homem entregava nas mãos da mulher o seu salário , a «féria » , recebendo depois das mãos dela algum dinheiro para as suas despesas  ;e as  mulheres mais velhas sempre gostaram de exibir o seu ouro ,com destaque para as suas arrecadas . No entanto ,esse ouro era visto como um bem a que se podia recorrer em caso de necessidade... mas que a mulher levava para o casamento . Creio que aqui está a mulher lusitana...
  E quanto ao namoro que afinal está na origem desta minha conversa de hoje , como era ele  em Idanha-a-Nova nos tempos de antigamente ? 
 Compunha-se de 3 fases : o falar-se da janela ( e quando a janela era alta era muito complicado ... Lembro-me de ouvir dizer que o pretendente estava a «tomar gargarejos !!!» Claro que era na brincadeira ... ) ; seguia-se o falar-se à porta (sempre com a mãe por perto !!!) ; e por fim , o entrar em casa . A mãe estava sempre presente ,cumprindo assim o seu papel de figura tutelar do lar zelando por tudo o que respeitava à sua gestão e bom nome . Qualquer uma destas fases , decorria em horas marcadas e com tempo não muito longo . O noivo , como era chamado desde o início , fazia chegar ao pai da noiva as suas boas intenções através da mãe . Só quando se atingisse a 3ª fase lhe seria permitido ser ouvido pelo que seria o futuro sogro.
 Quando  ,como normalmente sucedia , se chegava ao casamento , depois da saída dos « pregões », preparava-se com as «cantchanêras » a boda que durava 3 dias , depois de os noivos ,acompanhados pela mãe terem ido « prezar»!!!A noiva ,nomeio de um quadrado formado por familiares e amigos , de lenço de seda branco , exibia o seu ouro  , percorrendo as ruas principais da vila a caminho da igreja . As papas de carolo , o arroz doce e os pã-leves deliciariam todos ...À noite , ao som da concertina ,cantava-se junto à casa dos noivos os «parabéns » que já se tinham dançado à  tarde .... Os noivos tinham de vir à porta dar comes e bebes aos cantores....Só mais um pormenor : na véspera do casamento ia-se a casa dos noivos «ver a cama »; debaixo desta estava um bacio (penico) ,onde se punham umas moedas ....
            Mas , isso fica para outro dia ...
            Sejam felizes .... 


  « Parabéns te venho dar,
     Amiga do coração , 
     Espero que vás gozar ,
     duma feliz união .» 
                           Assim se cantava
            
        Quina Salgueiro      

21 comentários:

  1. Mais um texto muito interessante sobre os usos e costumes de Idanha-a-Nova.Há, no entanto, muitas semelhanças com o que se passa aqui no sul ( Algarve). Pelo S.João, o santo namoradeiro,a mesma quadra é cantada em bailes de roda pelas moças solteiras. Nessa noite, 23/24, funde-se chumbo para uma bacia de esmalte e na manhã de S. João, as jovens vão ver em que se terá transformado.Dizem formar-se pequenas figuras e, a partir delas, adivinha-se a profissão do futuro marido.
    O namoro também se compunha de três fases e, quando chegava à última, eram fixados dois dias para namorar ( 4ª feira à noite e sábado, também à noite). Os noivos tinham por companhia a mãe da noiva que, vigilante, olhando-os de soslaio,fazia tricot, renda ou costura.
    Quanto à importância da mulher, que vem desde as primeiras comunidades sedentárias, eu pensava que no caso das mouras encantadas havia influência da ocupação árabe da Península pois que há no Algarve um incontável número de lendas todas elas dando especial relevância à mulher moura, muito bela, que seduzia o homem até o arrebatar. Competia-lhe ter agilidade para se libertar do seu jugo antes do nascer do sol.
    Gostei muito de a ler. Continue, Quina!
    Deixe-me que lhe diga, a terminar, que também tenho uma especial preferência pelos Lusitanos pela sua tenacidade, pela união que tanta força lhes deu no que concerne à sua invencibilidade durante quase dois séculos e porque estão associados à serra tal como eu.

    Bem-haja!

    Um abraço fraterno

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  2. Cara Quina

    Mais uma vez, gostei de a ler.

    Começando pelas moiras, em Rebordaínhos não tenho notícia de que alguma vez se tenha acreditado nelas tal como as descreve, mas chamamos "mouras" àquela espécie de algas (falha-me, agora, o nome delas) que nascem nos tanques e nas ribeiras, reforçando a relação que estabelece entre elas e os cursos de água. Temos, então, essas mouras e as outras, resultantes da (breve) presença muçulmana, estando estas (é só uma!) associadas à lenda de um lugar.

    Quanto ao S. Valentim concordo inteiramente consigo. De facto, entre nós, o S. João e o Santo António têm tradição bem mais interessante e de raízes profundas. O S. João é celebrado em todo o Norte do País e é visto como alguém com quem as moças brincam (S. João adormeceu /nas escadinhas do coro/ deram as moças com ele/chuparam-lhe o sangue todo). Importa não esquecer o S. Gonçalo! "S. Gonçalo de Amarante /casamenteiro das velhas / porque não casas as novas?/ Que mal te fizeram elas?/ Rola S. Gonçalo, rola!"

    Namorado(a) é, igualmente, palavra desconhecida no nosso vocabulário: também usamos o noivo(a) e, sobretudo, o muito medieval "amigo(a)" que me enche as medidas!

    Um abraço

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  3. Cata-vento , bem-haja pelas suas palavras encorajadoras para continuar este trabalho, que me propus ,de divulgação de tradições idanhenses . Claro que por vezes há tradições que nos são comuns , quer porque ,como se começa a provar , muitos dos povos que habitaram a P. Ibérica ,antes da romanização ,tiveram a sua origem na Euro-Ásia ,quer porque as migrações internas levaram os vários costumes a fundir-se . Já agora esclareça-me uma coisa : no Algarve não havia uma fase , antes do casamento ,em que se «raptava » a noiva ? Parece-me ter ouvido isso da boca dum amigo algarvio que já não vejo há muito tempo...
    UM abraço fraterno
    Quina

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  4. Olá Fátima , espero que já esteja tudo bem consigo.
    Quanto às «moiras « e ás «mouras » , repare na pequena diferença resultante de usar o ditongo «oi» ou o «ou» . Sei que no português corrente não damos muita importância a tal ,( OIRO /OURO ; TOIRO /TOURO etc ), mas casos há em que temos de dar . Tal é o que diz respeito à palavra usada na minha terra «moira », ; se a origem for o latim ,aí sim a palavra é «maura » surgindo -nos então, as 2 formas com significados diferentes ; aliás , de «maura » vem Mauritânia , compreendendo-se que esta tenha sido a via pela qual entrou no português a palavra «moura ». Claro que depois as 2 formas acabaram por se tomar igual significado . Aí ,eu mesmo cometi um erro ao usá-las indiscriminadamente . Esse erro não cometem as pessoas mais velhas da minha terras , distinguindo as moiras das suas águas ,das mouras ,lá do sul ,do Algarve ,como dizem .
    Gostei desse uso do termo «amigo (a)»...
    Continuo a contar com as suas «vesitas »
    Um abraço
    Quina

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  5. Cara Quina

    Instalou-me a dúvida e, agora, preciso que me ajude a esclarecê-la: embora em Rebordaínhos só digamos "mouro" e "touro", aprendi que é indiferente dizer-se "moiro" e "toiro".

    Depois de ler a sua resposta fui à procura da etimologia e o dicionário mais actual que tenho (José Pedro Machado) remeteu-me de "moira" para "moura", confirmando aquilo que aprendi. Fui à procura em dicionários do séc. XIX e fazem a mesma coisa. Insistindo, ainda fui ao Blouteau (séc. XVIII) onde o termo "moira" nem sequer aparece", remetendo o feminino "moura" para o masculino "mouro". Em todo o lado encontrei a etimologia latina.

    Pode a Quina fazer o favor de me dizer onde encontrou outra origem para "moira"? Desculpe se a maço, mas as coisas da Língua Portuguesa interessam-me sobremaneira!

    Um abraço

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  6. Cara Quina

    Tenho muito gosto em esclarecê-la sobre a questão que me põe. Não me lembrava dessa fase do noivado mas, de facto, entre as famílias mais pobres, algumas vezes, os noivos "fugiam" antes do casamento efectuado evitando assim a despesa da boda. Os pais da noiva não se opunham a que tal acontecesse e o noivo "raptava-a" para sua casa ou alugava um quarto numa pensão fora da terra onde passavam a noite. Consumado o facto, a despesa reduzia-se à legalização da união.
    Não eram raras estas "fugas" autorizadas mas também havia as não autorizadas , sobretudo, quando grande discrepância entre o nível social e económico dos "noivos" era grande. Neste caso, os pais mais abastados opunham-se e o corte de relações permanecia, algumas vezes, até à morte.
    Aqui também se usava e usa, sobretudo no interior, a palavra " amigo/amiga" como amante, aquele(a) que mantém ligação adúltera.
    Por último, também gostava que me esclarecesse quanto à outra origem da palavra "mouro/moiro" que desconheço.

    Bem-haja!

    Um abraço

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  7. Olá Quina
    Gostei muito do "post" de hoje. As tradições, lendas, usos e costumes do nosso país fazem parte dos meus interesses. Os de Idanha são muito parecidos com os da minha aldeia, até porque são próximas.Fico a aguardar outros "posts" nos quais vou recordar e aprender algo mais.
    Beijinhos
    Lourdes

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  8. Mais um belo texto sobre nossas velhas tradições, cara vezinha!...
    Há quantos anos eu não assisto/participo num desses casamentos?!!!
    Sabe que em Proença os "parabéns" aos noivos tinham o nome de "violada" aos esposados; o termo tem a ver com o facto de antigamente, antes do aparecimento da concertina, o instrumento mais comum na região ser a chamada viola beirã.
    Quanto à relação mãe/filha ela está bem expressa numa das quadras que por aqui se cantava:
    Ó senhora esposada
    Bem sei quem tanto chorou
    Foi a sua querida mãe
    Quando a bença lhe deitou
    .
    Um abraço

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  9. Ora viva Adolfo ! Folgo em vê-lo por cá «vezinho»...Olhe , eu também já não vou a nenhum casamento desses há muito ! «Tameim inté já nã há cási espozados ... Pã-levi , borratchões , carolos e outras cousas p'ra limbinos inda incontremos , nã éi? » Estará neste momento a questionar-se se eu «fequei com os miolos mois , ou carrai me tará dédo ». Descanse , estou óptima , e não entrou em nenhuma máquina do tempo , fazendo uma regressão . ..Se ler o esclarecimento de uma dúvida que me foi posta pelos nossos amigos , Fátima que é de origem transmontana e Cata-vento ,algarvio , compreenderá o meu retrocesso .Sendo assim vou passar para o esclarecimento pois ,a culpa foi minha porque não devo ter sido clara .
    «Vezitas»
    «Xquina »

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  10. Olá, Quina!
    Vivendo e aprendendo. Aqui, para este "peditório", eu não posso dar muito, porque não tenho grande vivência da minha terra. No entanto, uma vez, por me encontrar lá , fiz essa visita à cama duns noivos. Penso que também se usava, para "namorado", o termo "conversado".
    Também já me tinha apercebido que o São João é um santo mais popular no meio rural, principalmente no norte do país. O Santo António, embora não seja esquecido (na minha terra tem uma capela a ele dedicada) parece ter o seu expoente máximo na zona de Lisboa.
    Parabéns pelo "post" e, já agora, pelo que lhe vieram acrescentar alguns dos comentários.
    Abraço,
    João Celorico

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  11. Viva João , afinal dizia que não podia dar nada para este peditório mas , afinal de : a palavra »conversado » significando noivo no que eu chamei de 1ª fase ... Vê , tinha-me esquecido . Bem-haja por esta lembrança .
    «Vesitas »
    Xquina

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  12. Olá amigos Fátima e Cata-Vento. Desculpem se fui pouco clara mas , vou procurar esclarecer a vossa dúvida .
    De facto , no português vernáculo , no falado pelos tais 240milhões de pessoas ,não há qualquer diferença de significado entre "moira e moura "; por isso a Fátima por muito que procure em dicionários não encontra . Esta distinção surge no "subdialecto do centro interior" (assim classificado pelo meu Prof.Lindley Cintra ) no qual se integra o idanhense . No entanto , sucede que mesmo no meu concelho ,de terra para terra , às vezes, as mudam de significado . A maneira como eu soube desta diferenciação foi através do meu prof. V. Nemésio . Mandou-me ele fazer um trabalho sobre »o Cancioneiro da SRª do Almotão » . Logo aí se colocava o problema :Almotão , Almurtão ou Almortão ? Mas adiante. Nesse contexto coloquei ao meu prof. porque é que os idanhenses usavam a palavra moira com um significado diferente de moura , como sucedia ,por ex: em Lisboa .Expliquei-lhe como era usada na noite de S. João. Ele respondeu-me : Menina , como se diz destino em grego ? Eu , que até tivera 2 anos de grego e epigrafia grega ,respondi ,mas a medo: «Moira ». Ah! ,então já tem a resposta . E moira é também a deusa ou as 3 deusas maléficas que tecem as malhas do destino. Pois então está percebido ,na sua e nalgumas ilhas da minha terra,graças aos colonos que da sua terra foram para a minha ,distingue-se ainda moira -destino , de moura -habitante do norte de África islamizado . No vernáculo não , por isso só encontra a palavra no dic.de Grego .Mas olhe ,qualquer dia nem sua nem na minha já se faz essa distinção , tudo se esquece ,tristemente ...E , o meu prof. começou a dirigir-se para a porta ,podo aos ombros o gabão que tanto gostava de usar no inverno . Atrevi-me ainda e perguntei . »Mas porque é que se diz na minha terra tão longe da costa ? Ora , os gregos chegavam a Cádis e depois vinham pelo Guadiana e por terra a procura do ouro da sua terra , já devia saber. Mas ,digo-lhe então : no vernáculo moiro ou mouro significam o dito povo , vindo a palavra do latim maurus . Na sua terra moira é destino que pode ser mau e mouro é o referido povo. Mas , quando chegar à minha idade , só os mouros/moiros restarão e não as moiras da sua terra . E saiu da sala ,sem deixar de me lembrar o trabalho.
    Bem ,eu fiquei na sala e anotei tudo .Agora entendia quando as mulheres da minha terra diziam , "Éi catchopos ,vende lá ,na vos dêxeis embaganhéri p'la moira ,sanã nunca mai vos desembaganhandes "
    Quando, há 2 anos, comecei a pensar no livro "De Igaedus à SRª do Almotâo ",lembrei-me dessa conversa , procurei as notas assim como o trabalho e ainda um outro que fizera ,sobre as origens do culto ,para , o também meu Prof., D. Fernando de Almeida . Procurei e encontrei um ponto de partida . Mas ,se a voz do povo já não é o que era ,muitos trabalhos têm surgido ,como:de Moisés Espírito Santo . Ferreira do Amaral , Dalila Costa ; Pedro Silva , Eduardo Amarante etc,. Não tenho comigo os livros pois estão em Idanha ,por isso não posso fazer citações ... Creio que também Paulo Loução. ..Bibliografia não falta . Assim , creio que posso concluir : Moira , designa em Idanha de outras gerações o destino e suas redes e é de origem grega ,introduzido na região pelos mercadores gregos e cartagineses ; não vem nos dicionários (por enquanto!!); moura ou moira , para todo o universo da língua portuguesa é o nome do referido povo do norte de África ; é pois esse que os dicionários mostram e ensinam . Mas , para que não suceda o que prof ,Vitorino Nemésio disse ,eu continuo a lutar...

    "vesitas "da
    «Xquina»

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  13. Pegando na deixa, posso eu citar Moisés Espírito Santo que em Origens Orientais da Religião Popular Portuguesa refere:
    ... a Moira dos meios campestres portugueses está marcada pela fatalidade, por um certo masoquismo (aparentado à saudade) e pela tragédia; diríamos até pela tragédia grega (ou judaica?). A Moira portuguesa é uma figura feminina adstrita, pelo seu próprio destino, a certos locais. Sai de manhã ou ao meio-dia, sobretudo a certas épocas do ano (no São João), para oferecer aos passantes os seu tesouros em troca do que há de mais singelo em favores eróticos: um beijo. Um simples beijo beijo é o que resta das belas orgias orientais em favor da Grande-Mãe... Essa figura popular resulta de um sincretismo entre o conceito grego de Destino atribuído às Moiras ou Parcas (que tecem o destino dos humanos), e que nos é dado a conhecer pela via erudita, e a figura da Terra-Mãe provedora de bens agrícolas e guardiã de tesouros ancestrais [...] a Moira [...] que oferece figos ou castanhas vulgares que se transformarão em oiro caso a sua vontade seja satisfeita, é um ente divino associado a Deus, talvez o seu princípio feminino, que reside na terra.
    Flávio Josefo, sob o efeito da helenização da Palestina, emprega o termo Moira para exprimir a Schekina de Yaveh que residia no Templo sob o aspecto de uma claridade ou figura deslumbrante, equivalente ao espírito de Deus. Temos aqui um elemento importante para identificar a Moira: para os Judeus, a Moira era o "princípio feminino de Deus". Em contacto com a mitologia grega, os Fenícios teriam associado o seu conceito religioso da antiga Moira grega à deusa Ishtar/Astarté a partir do que esta tem de fecundante e de pródigo, orgíaco e satânico. Sob a pressão linguística, mítica e religiosa dos Helenos, a Moira da aldeia é a sucessora da deusa-mãe fenícia; teria sido a deusa-Mãe local antes do evento de Nossa Senhora.

    E são estas Moiras, vindas lá do Oriente há milhares de anos, que continuam ainda hoje a guardar tesouros escondidos nos campos desta Beira desconhecida...

    Um grande abraço
    J. Adolfo

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  14. Cara Quina

    Que bem me soube a sua explicação. Bem-haja por ela!

    Em todo o caso, existe uma réstea dessa diferença naquilo que lhe referi: nós temos a moura encantada de quem se conta uma lenda e temos as mouras (plural) que são aquela espécie de líquenes que nascem nos tanques e ribeiras. A afinidade destas com as suas "moiras" é óbvia, parece-me.

    Já ganhei o dia!

    Um grande abraço

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  15. Cara Quina

    Esclarecida e enriquecida. Desconhecia, de todo, esta moira e fiquei maravilhada com o esclarecimento detalhado que acaba de me fornecer.Este é um dos objectivos da blogosfera e conhecê-la aqui foi um privilégio.
    Bem-haja!

    Um abraço com amizade

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  16. Quina
    PARABÉNS!
    Passo a explicar:
    - Porque me continua a ensinar o "viver" de cantos que desconheço.
    - Porque conseguiu reunir um grupo de comentadores que perguntam, concordam, discordam, discutem, com cortesia.
    - Porque continuo a sentir, que ao chegar até esta sua casa, tal como diz Cata-Vento, é um previlégio.

    Quanto ao post nada tenho a dizer, só aprender, pois no que diz respeito ao palavreado da minha terra,Lisboa, já são por demais conhecidas todas as obscenidades palacianas, que por aqui poluem a Língua Portuguesa.
    Um beijo

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  17. Eduarda ,bem- haja pelas suas palavras . De facto ,creio ter tido muita sorte no grupo de comentadores que vieram até ao meu blogue ; entre eles está a minha amiga . É sempre um gosto imenso ler as suas palavras .Espero que outro ainda descubram a «idanhense sonhadora » para que melhor , se ainda possível , se cumpra aquilo que me propus : conservar e difundir as tradições da minha terra .
    Espero que vá caminhando usando a força que parece emanar.
    Beijinhos

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  18. Amiga Idanhense Sonhadora.
    O seu blogue é simplesmente delicioso.
    Ele até pode ser uma “criancinha” como você diz no meu bolgue, porém, é uma “criancinha” a quem profetize desde já um presente e um futuro risonho.
    Amiga Quina, (desculpe o abuso) vou colocar o seu blogue nos meus blogues favoritos, pois ele é como lhe disse no início, um sítio onde nos podemos deliciar.
    Um grande abraço do albicastrense.

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  19. António, (desculpe também o meu tratamento!)mas , já que veio até ao meu blogue creio poder tratá-lo assim . Ainda bem que gosta dele ; conto pois , com os seus comentários sinceros no futuro . "Meu pai ficará contente " por ter granjeado um albicastrense para o meu blogue !
    Um abraço de boas vindas ,ou também como ainda se diz em Idanha ,«vesitas »
    Quina

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  20. Olá Quina
    A internet é mesmo um meio de aprendizagem sem igual. O que eu já aprendi hoje! Lembrei-me da expressão "moira de trabalho" que eu nunca entendi muito bem e achava referir-se à cultura árabe. Agora penso que está mais relacionada com a grega. Não será?
    Adorei o modo de falar da Idanha. Na minha região também se fala mais ou menos assim. Há muitos termos comuns pois fica na zona onde se unem as Beiras e ali sofremos influências umas das outras.
    Quanto aos seus comentários, não os recebi. Talvez tenha sido uma falha qualquer, mas não se preocupe. Eu também sou autodidata nestas coisas e faço cada uma, que até coro, mesmo estando sozinha.
    Beijinhos
    Lourdes

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  21. Olá Lourdes ,bem-haja pela visita e pelas suas palavras . Quanto à moira ,pode ter razão e significar o destino que nos faz trabalhar e muito ... Se a pronuncia for "moira " ,já sabe , é do grego ...
    Beijinho
    Quina

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